Por David Camargo e Arildo Nizer
09 de novembro de 2023. Em um mundo de trabalho cada vez mais diversificado e repleto de riscos, é fundamental compreender os direitos dos trabalhadores, especialmente no que diz respeito ao adicional de periculosidade.
Este adicional é devido aos funcionários que atuam em condições de risco acentuado, conforme estabelecido na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e regulamentado pela Norma Regulamentadora 16 (NR-16) do Ministério do Trabalho.
Tradicionalmente, o adicional de periculosidade é associado a atividades que envolvem exposição a substâncias inflamáveis, explosivas ou energia elétrica. Contudo, uma dimensão muitas vezes negligenciada é a exposição ao risco de violência, como em situações de maior sujeição a assaltos.
Esta questão ganhou destaque em diversos julgamentos, nos quais se reconheceu que trabalhadores de certas categorias, como vigilantes, transportadores de valores, e até mesmo profissionais que atuam em áreas com altos índices de violência urbana, podem ter direito ao adicional de periculosidade. Isso porque, além dos perigos físicos evidentes, esses trabalhadores estão constantemente expostos a situações de ameaça direta à sua integridade física.
É importante frisar que, para a concessão do adicional de periculosidade, é necessária a comprovação da exposição permanente do trabalhador ao risco, e não apenas de forma eventual ou esporádica. A legislação trabalhista brasileira, em seu artigo 193 da CLT, estabelece que são consideradas atividades perigosas aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado.
No contexto dos assaltos, a discussão legal se amplia: é preciso entender se a exposição ao risco é inerente à atividade exercida pelo trabalhador. Tribunais trabalhistas têm se debruçado sobre casos específicos, ponderando sobre a habitualidade do risco em determinadas profissões.
Além disso, cabe ressaltar que a NR-16 e outras normativas técnicas complementares regulamentam e detalham as condições que dão direito ao adicional. Este é calculado sobre o salário-base do trabalhador, sendo fixado em 30%, um acréscimo significativo que reflete a compensação pelo risco assumido.
Como advogado atuante na defesa dos direitos dos trabalhadores, especialmente bancários, enfatizo a importância do reconhecimento e efetivação desse direito. O adicional de periculosidade não é apenas um valor monetário adicional ao salário; ele representa o reconhecimento dos riscos inerentes a determinadas profissões e a valorização daqueles que, diariamente, colocam sua segurança em risco para o desempenho de suas funções.
E OS BANCÁRIOS?
No caso específico dos bancários, a situação é um pouco mais complexa. Tradicionalmente, a atividade bancária não é enquadrada automaticamente nas categorias que dão direito ao adicional de periculosidade conforme estabelecido pela CLT e pela NR-16. No entanto, situações específicas, como a vivência de um assalto, embora traumáticas e de risco evidente, não configuram, por si só, a base para a concessão do adicional de periculosidade segundo a legislação atual.
Isso se deve ao fato de que a legislação brasileira requer que a exposição ao risco seja permanente e não eventual ou esporádica. Os assaltos, apesar de serem uma realidade preocupante em muitas cidades, são considerados eventos pontuais e, portanto, não justificam, na visão da lei atual, o pagamento do adicional de periculosidade.
Contudo, vale ressaltar que este é um tema de constante discussão e interpretação nos tribunais trabalhistas, e pode haver casos em que o entendimento judicial pode diferir, dependendo das circunstâncias específicas e da argumentação jurídica apresentada. Por isso, é sempre aconselhável buscar orientação legal para compreender melhor os direitos e possibilidades em casos particulares como o de bancários que foram vítimas de assalto.
AGÊNCIAS BANCÁRIAS COM ARMAZENAMENTO DE COMBUSTÍVEL.
No cenário atual, onde as agências bancárias incorporam armazenamento de combustível para alimentar geradores de energia, surge uma nova dimensão de risco, que transcende as atividades bancárias convencionais. Este aspecto introduz um fator adicional de periculosidade, que não é diretamente relacionado às funções rotineiras dos bancários, mas ao ambiente de trabalho em que estão inseridos.
Conforme a Norma Regulamentadora 16, o risco de periculosidade não se limita apenas ao contato direto com substâncias perigosas, mas também à proximidade com esses materiais. Nesse contexto, a presença de combustível para geradores em agências bancárias cria uma área de risco potencial, mesmo que os funcionários não interajam diretamente com esses materiais.
O direito ao adicional de periculosidade para bancários em tais circunstâncias fundamenta-se na exposição a um ambiente potencialmente perigoso. Este direito deve ser analisado com base na legislação vigente e nas especificidades de cada local de trabalho. A legislação prevê a proteção ao trabalhador em ambientes onde há armazenamento de inflamáveis, mesmo que a exposição ao risco seja indireta.
Por fim, vale mencionar que o art. 193 da CLT estabelece que: São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (...)
OS VIGILANTES
Em contrapartida, a situação dos vigilantes armados que atuam nas agências bancárias é diferente. Eles, pela natureza de sua função, estão expostos diariamente a situações de risco elevado e, de acordo com a legislação brasileira, esses profissionais estão enquadrados nas categorias que preveem este benefício devido à natureza intrinsecamente perigosa de seu trabalho.
Além disso, é importante destacar que o adicional de periculosidade para vigilantes está claramente definido na Norma Regulamentadora NR-16, anexo 3, que especifica as atividades e operações perigosas com exposição a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades de segurança pessoal e patrimonial. Neste contexto, os vigilantes armados em bancos estão explicitamente contemplados, sendo o adicional de periculosidade um direito assegurado em função do risco constante a que estão submetidos em seu ambiente de trabalho.
Outra legislação pertinente é a Lei nº 12.740/2012, que alterou o artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), incluindo a atividade de segurança pessoal entre as que geram direito ao adicional de periculosidade. Essa mudança legislativa reflete a compreensão do legislador sobre os riscos inerentes à função dos vigilantes, reforçando a importância de proteger esses trabalhadores que atuam diariamente em um ambiente com potencial risco de vida ou de integridade física.
Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (...) II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. (...)
Portanto, é essencial uma análise detalhada e individualizada para determinar o direito ao adicional de periculosidade, considerando as especificidades da função exercida e o ambiente de trabalho. No caso dos vigilantes armados em bancos, o risco é um componente constante e reconhecido de sua rotina profissional, diferentemente dos bancários, onde a exposição ao perigo é vista como esporádica e não rotineira.
CASOS REAIS DE TENTATÍVAS DE ASSALTO:
Como exemplo de casos reais, podemos mencionar a tentativas de assalto às agências bancárias em Campo Mourão - Paraná, em 2020, e em Poá, na grande São Paulo, em 2023, que mostram a importância do debate jurídico sobre a segurança no trabalho bancário e o adicional de periculosidade. Em Campo Mourão, a ação de um homem armado com uma faca, embora não tenha resultado em feridos, expôs claramente a vulnerabilidade dos trabalhadores bancários e vigilantes a situações de risco iminente. Este episódio ressalta a realidade de perigo constante enfrentada por estes profissionais, que vai além do risco abstrato normalmente considerado nas discussões legais. (veja a matéria em: https://www.tribunadointerior.com.br/campo-mourao/tentativa-de-assalto-no-banco-itau-de-campo-mourao-termina-em-tiro-e-prisao-de-criminoso/ )
Em Poá em 28/09/2023, a situação foi ainda mais grave, com a morte de uma funcionária bancária. Este incidente destaca uma dimensão crítica do ambiente de trabalho bancário, onde o risco de violência é palpável e pode ter consequências fatais. A legislação pertinente, como a Norma Regulamentadora NR-16 e a Lei nº 12.740/2012, precisa ser interpretada à luz desses eventos, para avaliar adequadamente a exposição ao perigo desses profissionais e a consequente necessidade de reconhecimento do adicional de periculosidade. (https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2023/09/28/mulher-e-morta-durante-tentativa-de-assalto-a-banco-em-poa-na-grande-sp.ghtml )
PROVOCAÇÃO FINAL
Por fim, e importante considerar também que a presença de vigilantes armados nas agências bancárias, embora adotada para aumentar a segurança, pode também elevar a tensão e o risco, especialmente em situações de assalto como os mencionados acima. O papel dos vigilantes armados é dissuadir ameaças e proteger o local, porém, a sua presença indica um reconhecimento implícito do risco elevado associado à atividade bancária.
Portanto, como gosto de fazer, deixo aqui uma questão provocativa: essa medida de segurança adicional reflete uma condição de risco constante que poderia justificar o adicional de periculosidade inclusive para os bancários? Este é um aspecto que merece atenção jurídica, visto que a presença constante de vigilância armada pode ser interpretada como um indicativo de exposição regular a riscos de segurança dos bancários, ultrapassando a ideia de risco esporádico.
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David Camargo é advogados especialista em direito do trabalho e sócio fundador do escritório de advocacia ADVPREV® - DAVID CAMARGO & ADVOGADOS ASSOCIADOS.
Dr. Arildo Nizer é advogado em Curitiba/ Paraná, sócio fundador do escritório de advocacia ARILDO NIZER & ADVOGADOS, especialista em direito do trabalho.
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