NOVAS REGRAS PARA TRABALHO AOS DOMINGOS E FERIADOS: IMPACTOS E DESAFIOS A PARTIR DE JULHO DE 2025
- David Camargo adv
- 7 de abr.
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Por David Camargo, Werner Schumann e Ricardo Erhardt

07/04/2025 - A partir de 1º de julho de 2025, entrará em vigor a Portaria nº 3.665/2023, que altera significativamente as regras para o trabalho aos domingos e feriados no Brasil. Essa mudança impactará diretamente setores como comércio e serviços, exigindo uma adaptação cuidadosa por parte de empregadores e empregados.
Contexto e Objetivos da Nova Legislação
A legislação trabalhista brasileira, desde os primórdios da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em 1943, tem como um de seus pilares o princípio da dignidade do trabalhador, equilibrando os imperativos da produção com a preservação da saúde física e mental do empregado. Um dos reflexos mais emblemáticos desse princípio é a garantia do descanso semanal remunerado de 24 horas consecutivas, previsto no artigo 67 da CLT, preferencialmente aos domingos, assegurando não apenas a recuperação das forças do trabalhador, mas também o convívio familiar e social, valores protegidos constitucionalmente.
Apesar dessa proteção legal, a realidade prática sempre exigiu regulamentações específicas para atividades que, por sua natureza, demandam funcionamento contínuo, como comércio, serviços e setores essenciais. A expansão do setor de serviços, a flexibilização das jornadas e a busca por maior competitividade no mercado levaram à ampliação do trabalho em domingos e feriados, muitas vezes sob a justificativa de necessidades econômicas, mas sem a devida contrapartida negocial ou compensatória aos empregados.
É nesse contexto que se insere a Portaria nº 3.665/2023, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. A norma vem com o propósito de harmonizar as normas esparsas sobre o tema, restaurando a centralidade da negociação coletiva como mecanismo legítimo de definição das condições de trabalho em datas tradicionalmente reservadas ao descanso. Ao exigir que o funcionamento de estabelecimentos em feriados dependa de instrumentos coletivos firmados entre sindicatos e empregadores, a medida visa assegurar transparência, previsibilidade e justiça nas relações laborais, evitando abusos e garantindo que os trabalhadores sejam efetivamente compensados de forma justa, seja por meio de folgas compensatórias, adicionais salariais ou outros benefícios pactuados. Trata-se, portanto, de um avanço institucional que reforça a proteção social e valoriza a via negocial, sem descuidar das demandas econômicas contemporâneas.
Principais Mudanças Introduzidas pela Nova Legislação
A nova regulamentação, prevista na Portaria nº 3.665/2023, representa um marco na reconfiguração das regras sobre o trabalho em domingos e feriados. A principal mudança reside no fato de que, a partir de 1º de julho de 2025, o labor nessas datas deixará de ser automaticamente autorizado por ato unilateral do empregador, passando a depender de negociação coletiva obrigatória com os sindicatos representativos da categoria. Essa negociação deverá ocorrer por meio de convenções coletivas de trabalho, firmadas previamente, que estabeleçam critérios, contrapartidas e condições específicas para o funcionamento nas datas tradicionalmente reservadas ao descanso.
Na prática, isso significa que as empresas do setor comercial e de serviços, que até então operavam com liberdade para escalar trabalhadores em feriados mediante simples comunicação ou acordos individuais, precisarão respeitar a vontade coletiva da categoria e firmar acordos formais e homologados. A ausência desses instrumentos impedirá legalmente o trabalho nessas datas, sujeitando o empregador a penalidades administrativas e ações trabalhistas.
Esse novo cenário fortalece o papel dos sindicatos e promove um resgate da centralidade da negociação coletiva, previsto na Constituição Federal, como forma legítima de equilibrar interesses econômicos e sociais. Além disso, obriga as empresas a adotarem maior transparência na organização de jornadas especiais e a compensarem, de maneira mais efetiva, o esforço do trabalhador em dias que, historicamente, são destinados ao convívio familiar e ao repouso físico e mental.
Setores Essenciais e Exceções
A Portaria nº 3.665/2023, embora imponha novas exigências para o trabalho aos domingos e feriados no setor privado, preserva a funcionalidade contínua de atividades essenciais, reconhecendo a necessidade de garantir serviços que são indispensáveis ao funcionamento básico da sociedade. Assim, empresas e órgãos públicos que atuam em áreas de interesse coletivo, cuja paralisação comprometeria a ordem pública, a saúde da população ou a segurança nacional, ficam legalmente dispensados da exigência de negociação coletiva para instituir o trabalho nesses dias.
De acordo com o texto normativo e complementações ministeriais, integram essa lista de exceções os setores de:
– Saúde, incluindo hospitais, clínicas, unidades de pronto atendimento (UPAs), farmácias e laboratórios;
– Segurança pública e privada, como policiamento ostensivo, penitenciárias, vigilância armada e patrimonial;
– Transporte coletivo urbano, rodoviário, ferroviário, aéreo e hidroviário, cuja operação é fundamental para a mobilidade das pessoas e o abastecimento de regiões;
– Fornecimento e manutenção de energia elétrica, água, gás e telecomunicações, cuja interrupção pode comprometer serviços de emergência e a estrutura funcional do país;
– Imprensa, rádio, televisão e plataformas de informação digital, em nome do direito à informação contínua;
– Serviços funerários, limpeza urbana e controle de pragas, com impacto direto na saúde pública;
– Além de setores como produção e distribuição de alimentos e combustíveis, considerados indispensáveis para o abastecimento da população.
Essas atividades gozam de autorização permanente para operar em feriados, com base na sua natureza ininterrupta e na previsão do artigo 10 da Lei nº 605/49, que trata do descanso semanal e do pagamento em feriados civis e religiosos. Nesses casos, mesmo sem a intermediação sindical, a empresa ainda é obrigada a conceder o descanso compensatório em outro dia da semana, conforme determina a legislação trabalhista vigente, salvo em hipóteses de pagamento em dobro devidamente autorizadas.
A distinção clara entre atividades ordinárias e essenciais é fundamental para garantir o equilíbrio entre o direito ao descanso e a continuidade dos serviços imprescindíveis. Contudo, é imperativo que os empregadores desses setores também adotem boas práticas, evitando abusos e respeitando os direitos dos empregados quanto à jornada máxima de trabalho, adicional noturno, intervalo interjornada e repouso semanal, sob pena de responsabilização administrativa e judicial. Em suma, a exceção legal não se traduz em ausência de regras, mas sim em adaptação das normas às especificidades da função social desempenhada por esses serviços.
Impactos para Trabalhadores e Empresas
Para os trabalhadores, a nova legislação pode trazer benefícios, como a possibilidade de negociar compensações adicionais pelo trabalho em feriados, incluindo folgas compensatórias ou bonificações extras. No entanto, aqueles que contavam com o adicional de 100% da hora trabalhada podem ser prejudicados, caso a negociação sindical impeça o trabalho nesses dias.
Para as empresas, especialmente as de menor porte, o processo pode se tornar mais burocrático, já que será necessário um acordo coletivo para liberar o trabalho em feriados. Pequenas empresas, que têm menos poder de negociação, podem enfrentar dificuldades para garantir a liberação dos funcionários nesses dias. Além disso, o descumprimento das novas normas poderá resultar em autuações e ações judiciais trabalhistas, principalmente se o empregador não respeitar a exigência de negociação coletiva ou a compensação devida ao empregado.
Preparação para a Transição
Diante das mudanças introduzidas pela Portaria nº 3.665/2023, a fase de transição exige não apenas atenção formal às novas exigências, mas uma revisão estratégica das práticas de gestão de pessoal e de relacionamento coletivo. As empresas que ainda mantêm posturas unilaterais frente à organização do trabalho precisarão adotar uma postura proativa, iniciando com urgência o diálogo estruturado com os sindicatos para firmar convenções e acordos que estejam em conformidade com a nova regulamentação. A ausência dessa negociação poderá implicar em restrições operacionais sérias, sanções administrativas e até mesmo ações judiciais.
Mais do que adaptar-se à letra da lei, será necessário construir instrumentos de negociação legítimos, transparentes e equilibrados, que respeitem os limites legais e, ao mesmo tempo, preservem a continuidade dos serviços e a competitividade dos negócios. Isso envolve treinamento de gestores, revisão de escalas de trabalho, definição clara de políticas internas e acompanhamento constante das tratativas coletivas.
Os trabalhadores, por sua vez, precisam estar atentos e bem informados sobre os seus direitos para que não sejam surpreendidos com imposições arbitrárias ou convocações ilegais para o trabalho em datas protegidas. A conscientização da categoria é peça-chave para a efetividade da norma e para o fortalecimento do papel dos sindicatos. A nova legislação cria, portanto, uma oportunidade concreta de aprimorar o pacto laboral brasileiro, desde que a transição seja conduzida com responsabilidade, técnica e respeito mútuo.
Conclusão
A implementação da Portaria nº 3.665/2023 representa mais do que uma simples mudança nas regras sobre o trabalho aos domingos e feriados — trata-se de um movimento estrutural rumo à valorização das relações coletivas de trabalho e à busca por maior equilíbrio entre os interesses econômicos e os direitos sociais. Ao retirar a autorização automática para o funcionamento em feriados e condicionar essa possibilidade à negociação coletiva, o Estado reforça o papel dos sindicatos como protagonistas na defesa dos trabalhadores, resgatando a centralidade do diálogo social como instrumento legítimo de regulação das condições laborais.
Essa transição, no entanto, não se dará sem resistências e exigirá preparo técnico e jurídico de todas as partes envolvidas. Para os empregadores, será necessário mais do que boa vontade: será fundamental estruturar canais de negociação eficientes e investir em práticas de compliance trabalhista. Já os trabalhadores, por meio de suas entidades representativas, terão a oportunidade de fortalecer sua voz, garantindo contrapartidas justas e condições dignas quando for inevitável o labor em datas tradicionalmente destinadas ao repouso.
Portanto, a nova norma não apenas propõe uma reorganização das jornadas, mas também desafia o modelo de gestão vigente em muitos setores. É o momento de revisitar práticas, reavaliar políticas internas e construir, com responsabilidade e diálogo, um ambiente de trabalho que não só atenda às exigências legais, mas que reflita um compromisso real com a dignidade do trabalhador e com a sustentabilidade das relações produtivas no país. A forma como esse processo será conduzido ditará o verdadeiro sucesso — ou fracasso — dessa importante transformação legislativa.
David Camargo, Werner Schumann e Ricardo Erhardt, são advogados do escritório DAVID CAMARGO & ADVOGADOS ASSOCIADOS.
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Notas:
¹ "Portaria sobre trabalho em feriados entrará em vigor em julho de 2025", Ministério do Trabalho e Emprego, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/noticias-e-conteudo/2024/Dezembro/portaria-sobre-trabalho-em-feriados-entrara-em-vigor-em-julho-de-2025.
² "Trabalho aos domingos e feriados terá novas regras a partir de julho! Entenda as mudanças e saiba quem será impactado pelas alterações na legislação trabalhista", Gaia Silva Gaede Advogados, 2025. Disponível em: https://gsga.com.br/trabalho-aos-domingos-e-feriados-tera-novas-regras-a-partir-de-julho-entenda-as-mudancas-e-saiba-quem-sera-impactado-pelas-alteracoes-na-legislacao-trabalhista/.
³ "Portaria 3.665: limitação do trabalho aos domingos e feriados?", Pontotel, 2025. Disponível em: https://www.pontotel.com.br/portaria-3665-2023/.
⁴ "Trabalho aos domingos e feriados: impactos e mudanças em 2025", Cálculo Jurídico, 2025. Disponível em: https://calculojuridico.com.br/trabalho-aos-domingos-e-feriados/.
⁵ "Nova lei muda feriados e domingos a partir de 1º de julho de 2025", Correio Braziliense, 2024. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/cbradar/nova-lei-muda-feriados-e-domingos-a-partir-de-1o-de-julho-2025-veja/.
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