top of page

MUDANÇA HISTÓRICA NO STJ: PRAZOS DE PRESCRIÇÃO ESTENDIDOS PARA CASOS DE ABUSO INFANTIL.

Por David Camargo



30/04/2024 - A decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que redefine o prazo prescricional para casos de abuso infantil representa uma evolução significativa no reconhecimento dos direitos das vítimas. Esta mudança judicial traz luz à realidade complexa enfrentada pelas vítimas de abuso sexual na infância, que muitas vezes só conseguem processar e entender completamente o trauma anos depois de se tornarem adultas.


Antes desta decisão, o prazo para iniciar ações judiciais por danos decorrentes de abuso infantil começava a contar imediatamente após a vítima atingir a maioridade, aos 18 anos. Este prazo muitas vezes provava ser irrealista, visto que os efeitos psicológicos do trauma podem não se manifestar ou ser plenamente compreendidos até muito depois. Reconhecendo isso, o STJ agora determina que o prazo comece apenas quando a vítima adquire plena consciência do abuso e de suas consequências.


O caso específico que levou a essa mudança envolveu uma mulher que foi abusada na infância e que só percebeu o impacto completo do trauma aos 34 anos, após enfrentar crises de pânico severas. Foi apenas durante o tratamento psicológico subsequente que ela conseguiu ligar suas experiências traumáticas ao abuso sofrido décadas antes. Esta situação ilustra claramente a necessidade de uma abordagem mais flexível e compreensiva em relação ao prazo prescricional.


A decisão do tribunal baseou-se na aplicação da "teoria subjetiva da actio nata", que permite que o prazo prescricional para buscar reparação civil comece a contar a partir do momento em que o ofendido toma consciência da extensão do dano sofrido e de sua autoria. Esta abordagem é essencial para casos onde o trauma do abuso se desdobra ao longo de muitos anos e é frequentemente reprimido ou não reconhecido pela vítima durante a juventude.


As implicações desta decisão são profundas. Ao permitir que as vítimas de abuso infantil tenham tempo adicional para buscar justiça, o STJ está efetivamente aumentando a possibilidade de que os agressores sejam responsabilizados, mesmo muitos anos após os atos de abuso terem ocorrido. Isso também serve como um reconhecimento da duradoura e muitas vezes latente natureza dos danos causados pelo abuso sexual infantil.


Além disso, esta decisão tem o potencial de transformar o diálogo social sobre abuso infantil e a recuperação de suas vítimas. Aumenta a conscientização sobre as complexidades do trauma associado ao abuso sexual e destaca a necessidade de um sistema de justiça que se adapte às realidades psicológicas das vítimas.


No entanto, a implementação desta mudança também apresenta desafios. Determinar exatamente quando uma vítima se tornou ciente do abuso pode ser um processo complexo e subjetivo, que requer consideração cuidadosa e sensível por parte dos tribunais. Será necessário desenvolver diretrizes claras para avaliar e validar a consciência da vítima sobre o abuso e suas repercussões.


A decisão também reforça a importância de recursos de apoio às vítimas, como aconselhamento e terapia, que podem ser cruciais para ajudá-las a entender e processar o trauma do abuso. Encoraja as vítimas a buscar ajuda profissional e jurídica, sabendo que o sistema legal está mais alinhado com as suas experiências e necessidades.


Em última análise, esta decisão do STJ é um passo progressivo para a proteção dos direitos das vítimas de abuso infantil no Brasil. Demonstra um avanço na sensibilidade jurídica e social para com questões de trauma e recuperação, e pode servir de modelo para futuras reformas legais em outras áreas de violência e abuso.


Esta mudança não apenas abre portas para que mais vítimas busquem justiça, mas também envia uma mensagem poderosa sobre a seriedade com que a sociedade e o sistema jurídico brasileiro tratam o abuso infantil. É um marco na luta contínua contra a violência infantil e um exemplo claro de como a lei pode evoluir para atender melhor às necessidades das vítimas.


_______________________________


David Camargo é especialista em direito, sócio fundador da ADVPREV® - DAVID CAMARGO & ADVOGADOS ASSOCIADOS.

bottom of page