
Por David Camargo e Ricardo Erhardt
A estabilidade provisória da gestante é um direito constitucionalmente assegurado, visando proteger a maternidade e o nascituro. Contudo, questionamentos surgem quando a gravidez é descoberta durante um contrato de experiência, caracterizado por prazo determinado. Este artigo analisa a aplicabilidade da estabilidade gestacional nesses casos à luz da legislação vigente e de recentes decisões da Justiça do Trabalho, destacando também seu impacto social.
O artigo 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988 estabelece que a empregada gestante não pode ser dispensada sem justa causa desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto¹. A norma não distingue entre contratos por prazo indeterminado ou determinado, sugerindo uma proteção ampla à trabalhadora gestante.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê, em seu artigo 443, a possibilidade de contratos por prazo determinado, incluindo o contrato de experiência². No entanto, a legislação não aborda explicitamente a questão da estabilidade gestacional nesses contratos, o que tem levado a debates jurisprudenciais sobre a sua aplicabilidade.
A Súmula 244, item III, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), dispõe que a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no ADCT, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado³. Esse entendimento reforça a ideia de que a modalidade contratual não exclui o direito à estabilidade gestacional.
Decisões recentes têm fortalecido essa tese. Em novembro de 2024, a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu o direito à estabilidade de uma operadora de atendimento aeroviário dispensada durante o contrato de experiência. A decisão destacou que a proteção contra a dispensa arbitrária independe da modalidade do contrato de trabalho⁴. No mesmo sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-5) confirmou, em maio de 2024, a estabilidade de uma empregada grávida contratada por tempo determinado, reforçando que a proteção à maternidade é superior à natureza temporária do vínculo empregatício⁵. Já o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, em decisão de junho de 2024, assegurou a estabilidade a uma trabalhadora gestante em contrato por prazo determinado, determinando o pagamento de indenização correspondente ao período de estabilidade⁶.
Embora a jurisprudência majoritária reconheça o direito à estabilidade, há decisões divergentes. Em contratos temporários regidos por legislação específica, como a Lei 6.019/1974, a Justiça do Trabalho tem afastado a aplicação da estabilidade gestacional, diferenciando-os dos contratos por prazo determinado⁷. Em outubro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 542 de repercussão geral, fixou a tese de que a trabalhadora gestante tem direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, seja contratual ou estatutário, ainda que ocupante de cargo em comissão ou contratada por tempo determinado⁸.
O VIÉS SOCIAL DA PROTEÇÃO À GESTANTE
Além da análise jurídica, é fundamental considerar o viés social da estabilidade provisória da gestante. A garantia desse direito não se resume à proteção da empregada, mas representa uma medida essencial para assegurar condições dignas para a maternidade e a primeira infância. A perda do emprego durante a gestação pode acarretar sérios impactos financeiros, comprometendo o acesso à assistência médica, ao pré-natal adequado e à segurança alimentar da mãe e do bebê.
A legislação trabalhista, ao garantir a estabilidade gestacional, busca equilibrar a vulnerabilidade social da mulher nesse período com a necessidade de proteção ao nascituro. Essa política pública se insere no contexto de combate à discriminação de gênero no mercado de trabalho, pois sem essa estabilidade, muitas mulheres poderiam ser demitidas arbitrariamente, agravando ainda mais as desigualdades estruturais já existentes.
É necessário que empresas, sindicatos e órgãos governamentais trabalhem conjuntamente para evitar que essa garantia se torne apenas uma norma formal, sem aplicação prática. A adoção de políticas empresariais que favoreçam a empregabilidade de mulheres gestantes e mães recentes, bem como o fortalecimento da fiscalização trabalhista, são medidas fundamentais para que esse direito seja efetivamente respeitado.
A estabilidade da gestante, portanto, não deve ser vista apenas como um custo para as empresas, mas como um investimento na qualidade de vida e na dignidade da população. Em um cenário onde o desemprego atinge milhões de brasileiros, medidas que garantam segurança para as mulheres no mercado de trabalho são indispensáveis para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
Em conclusão, a estabilidade provisória da gestante aplica-se também aos contratos de experiência ou por prazo determinado, conforme entendimento consolidado na jurisprudência trabalhista brasileira. O reconhecimento desse direito pela Justiça do Trabalho reforça a necessidade de proteção à maternidade e aos direitos fundamentais das trabalhadoras gestantes. Mais do que um dispositivo jurídico, trata-se de uma política essencial para garantir segurança e equidade no ambiente de trabalho. Cabe à sociedade, às empresas e ao poder público assegurar que essa garantia não seja apenas um texto normativo, mas uma realidade efetiva para todas as mulheres trabalhadoras.
David Camargo e Ricardo Erhardt são advogados do escritório DAVID CAMARGO & ADVOGADOS ASSOCIADOS.
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Notas:
¹ Art. 10, inciso II, alínea "b" do ADCT da Constituição Federal de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
² Artigo 443 da CLT. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm.
³ Súmula 244 do TST. Disponível em: https://www.tst.jus.br/jurisprudencia/sumulas.
⁴ "Gestante em contrato de experiência tem direito à estabilidade reconhecido", Tribunal Superior do Trabalho, 2024. Disponível em: https://tst.jus.br/en/-/gestante-em-contrato-de-experi%C3%AAncia-tem-direito-%C3%A0-estabilidade-reconhecido.
⁵ "TRT-5 confirma estabilidade a empregada grávida em contrato por tempo determinado", Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, 2024. Disponível em: https://www.trt5.jus.br/noticias/trt-5-confirma-estabilidade-empregada-gravida-contrato-tempo-determinado.
⁶ "Decisão do TRT-24 garante estabilidade gestacional a empregada em contrato temporário", RCP Advogados, 2024. Disponível em: https://rcpadvogados.com/estabilidade-gestante-contrato-prazo-determinado.
⁷ "Justiça do Trabalho descarta estabilidade a gestante admitida por contrato de trabalho temporário", Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, 2024. Disponível em: https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/justica-do-trabalho-descarta-estabilidade-a-gestante-admitida-por-contrato-de-trabalho-temporario.
⁸ "STF decide que gestante tem direito à estabilidade provisória, independentemente do regime de contratação", Supremo Tribunal Federal, 2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?classeProcesso=RE&incidente=4650144&numeroProcesso=842844&numeroTema=542.
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