Por DANILO CAMARGO GRASSO e DAVID CAMARGO
21 de outubro de 2023
Introdução e Panorama Geral
O controle de constitucionalidade é fundamental na manutenção do equilíbrio de poderes. Sua função principal é assegurar que as normas inferiores não contrariem as diretrizes constitucionais, protegendo, assim, os direitos e liberdades fundamentais. Afinal, em nosso sistema jurídico, a Constituição Federal possui supremacia!
Entender o controle de constitucionalidade é entender um sistema de correção. Quando leis ou atos contrariam a Constituição, são invalidado, fortalecendo o Estado de Direito e a democracia.
O controle de constitucionalidade pode ser realizado de inúmeras formas. Acerca do controle realizado pelo Poder Judiciário, dividem-se em difuso e concentrado. O primeiro, realizado por todo e qualquer juiz ou tribunal em casos concretos. O segundo, realizado, no âmbito da União, pelo Supremo Tribunal Federal, é um controle abstrato, da norma jurídica em tese. O controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo STF será o foco do presente artigo.
STF: Guardião da Constituição e seus Mecanismos de Atuação
O STF desempenha um papel crucial enquanto guardião da Constituição, nos termos do seu art. 102. Sua missão é assegurar que todas as leis e atos estejam em sintonia com a Carta Magna. No controle concentrado, a Corte vai além da mera verificação de legalidade. Para isso é que existe o controle concentrado de constitucionalidade, que pode se dar por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e Representação Interventiva (ADI Interventiva).
Destaca-se que, excetuando a representação interventiva, de titularidade exclusiva do Procurador-Geral da República, a Constituição Federal atribui, no art. 103, legitimidade ativa a inúmeros órgãos para a propositura das ações relacionadas ao controle concentrado de constitucionalidade, como por exemplo “confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional” (inciso IX). Trata-se de precioso mecanismo para garantir a democratização do Poder Judiciário!
Outro aspecto notável é o fenômeno da mutação constitucional. Ele permite que o sentido de determinadas normas seja alterado sem uma modificação explícita no texto. Esse fenômeno destaca a adaptabilidade do sistema.
Ao longo dos anos, o STF promoveu diversas mutações constitucionais. Suas decisões, ao reinterpretar a Constituição, respondem e refletem as demandas e transformações sociais do Brasil, mas não está isenta de críticas , conforme abordaremos.
Casos Emblemáticos e Reflexões Críticas
Ao longo de sua trajetória, o Supremo Tribunal Federal (STF) se envolveu em julgamentos que não apenas interpretaram a letra da lei, mas moldaram a sociedade brasileira, refletindo e ao mesmo tempo influenciando as transformações culturais e sociais em curso.
A decisão do STF sobre a união estável para casais do mesmo sexo não foi apenas uma vitória para os direitos LGBTQ+, mas também um marco na evolução do entendimento jurídico sobre família e direitos individuais no Brasil. Foi uma demonstração clara de como a Corte pode, através de suas decisões, promover mutações constitucionais sem alterar o texto formal da Carta Magna.
Outro julgamento de grande relevância foi a proibição de doações de empresas a campanhas eleitorais. Essa decisão não apenas impactou a forma como as eleições são financiadas, mas também refletiu uma preocupação crescente com a influência do poder econômico no processo democrático, buscando garantir uma maior equidade e transparência no cenário político brasileiro.
A delicada decisão sobre a interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos é outro exemplo da capacidade da Corte de se debruçar sobre questões profundamente complexas e sensíveis, levando em consideração debates éticos, morais e de saúde pública. A Corte, com essa decisão, reconheceu o direito das mulheres de escolherem, em circunstâncias específicas, sem serem criminalizadas por isso.
Destaca-se, também, a decisão da Suprema Corte que reconheceu o “estado de coisas inconstitucional” em relação ao sistema carcerário brasileiro, fixando uma série de medidas a serem cumpridas pelos entes federados e pelos juízes, de modo a melhorar a situação carcerária do Brasil, que é, de fato, vergonhosa.
No entanto, a proeminência do STF em tais questões também trouxe críticas. O debate sobre ativismo judicial versus autocontenção se tornou mais intenso à medida que a Corte tomava decisões que, para alguns, pareciam invadir o território do Legislativo. Questões como a criminalização da homofobia, a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal e outras têm sido vistas por críticos como exemplos de um Supremo excessivamente ativo.
O equilíbrio entre a atuação jurídica e a influência política é uma linha tênue que o STF é desafiado a caminhar constantemente. A crítica de que o Tribunal, em determinadas ocasiões, ultrapassa seu papel interpretativo e adentra o campo da formulação de políticas é um debate que provavelmente continuará enquanto a Corte se mantiver no epicentro das grandes decisões nacionais. Contudo, é inegável a contribuição do STF na formação e consolidação da democracia brasileira, mesmo frente aos dilemas e controvérsias.
Conclusão
A supremacia da Constituição é a base da nossa democracia. O controle concentrado de constitucionalidade, exercido pelo STF, não é apenas um mecanismo de correção jurídica, mas é também uma expressão viva da evolução da sociedade e dos direitos dos cidadãos.
O fenômeno da mutação constitucional demonstra a capacidade do nosso sistema jurídico de se adaptar e responder aos desafios e transformações do mundo moderno, sem perder de vista os princípios fundamentais que guiam nossa nação.
Porém, é essencial abordar uma crítica recorrente sobre a atuação do STF: o equilíbrio entre a análise jurídica e a intervenção em questões políticas. Em algumas ocasiões, a Corte é percebida como ultrapassando seus limites constitucionais, adentrando territórios que tradicionalmente pertencem ao Legislativo. Esta crítica reflete uma preocupação legítima sobre a separação e harmonia entre os poderes.
Em última análise, a atuação do STF no controle concentrado de constitucionalidade tem um impacto profundo e duradouro na trajetória do Brasil. É crucial que a Corte continue a desempenhar seu papel com prudência, sempre buscando uma atuação equilibrada e centrada nos princípios constitucionais, garantindo os direitos fundamentais, mas também respeitando a autonomia e competência dos demais poderes. O futuro e estabilização da nossa democracia e a confiança do povo nas instituições dependem disso.
DANILO CAMARGO GRASSO é acadêmico de direito da Universidade Estadual de Maringá, Paraná;
DAVID CAMARGO é advogado, sócio da ADVPREV® - DAVID CAMARGO & ADVOGADOS ASSOCIADOS.
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