Por Werner Schumann, Ricardo Erhardt e David Camargo
27 de outubro de 2023. O Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente tomou uma decisão que tem o potencial de remodelar o setor imobiliário no Brasil. Esta decisão, que permite a bancos e instituições financeiras retomarem imóveis de devedores sem a intervenção da Justiça, levanta inúmeras preocupações. Ao analisarmos este novo cenário, identificamos pontos críticos que consideramos alarmantes.
Primeiramente, a decisão dá uma quantidade desproporcional de poder nas mãos das instituições financeiras. O equilíbrio entre credor e devedor é fundamental para um sistema de crédito justo e equitativo. Conceder tamanha autonomia aos bancos pode levar a práticas desequilibradas e talvez até coercitivas, especialmente quando lidamos com o direito fundamental à moradia.
A determinação do STF, apesar de ter caráter de repercussão geral, não parece levar em consideração a vulnerabilidade de muitos devedores. A possibilidade de perda de um imóvel, muitas vezes o único bem de uma família, sem uma análise judicial aprofundada, coloca em risco a estabilidade social e pode intensificar as desigualdades existentes.
Além disso, o argumento de que o devedor pode recorrer ao Judiciário a qualquer momento, como defendido pelo relator, Luiz Fux, pode não ser tão simples na prática. Considerando a lentidão histórica e a burocracia do sistema judicial brasileiro, muitos devedores podem encontrar-se em situações irreversíveis antes de conseguirem um veredito.
Em relação à transparência, a questão levantada pela Defensoria Pública é preocupante. Ao permitir que o banco unilateralmente determine e execute as obrigações do inadimplente, estamos abrindo precedentes para práticas possivelmente abusivas, onde a interpretação do contrato pode ser feita de forma muito subjetiva.
E o que dizer da quantidade massiva de contratos de empréstimo imobiliário em alienação fiduciária em nosso país? Com cerca de 7 milhões de contratos vigentes, as consequências de práticas extrajudiciais podem ser sentidas em uma escala massiva, potencializando o impacto social de decisões apressadas ou mal informadas por parte das instituições financeiras.
O processo simplificado, como esboçado na decisão do STF, também oferece pouco tempo e espaço para negociações ou reconciliações. Com apenas 15 dias para liquidar a dívida após a notificação, muitos devedores podem ser forçados a tomar decisões apressadas, potencialmente comprometendo ainda mais sua situação financeira.
O ministro Edson Fachin destaca um ponto crucial: a restrição desproporcional ao direito fundamental à moradia. Ao favorecer os bancos em detrimento dos direitos dos devedores, corremos o risco de priorizar os interesses econômicos em detrimento dos direitos humanos.
A postura majoritária do STF, ao que parece, se alinha mais à eficiência econômica do que à justiça social. Enquanto entendemos a importância de proteger os interesses econômicos e garantir a estabilidade do sistema financeiro, isso não deve ser feito à custa dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Ao avaliar esta decisão, é fundamental considerar seus impactos a longo prazo. Precisamos perguntar: estamos criando um ambiente propício para práticas justas e equilibradas? Ou estamos caminhando para um cenário onde o poder econômico dita as regras, muitas vezes em detrimento dos mais vulneráveis?
Conclusão da nossa equipe: Esta decisão do STF, embora possa parecer eficaz na ótica da gestão financeira e da agilidade em processos, coloca em xeque valores fundamentais de justiça, equidade e proteção aos direitos dos cidadãos. A longo prazo, tal decisão pode resultar em situações sociais adversas, ampliando ainda mais a disparidade entre instituições financeiras poderosas e cidadãos comuns. Como advogados, defendemos um equilíbrio mais cuidadoso entre os interesses econômicos e os direitos fundamentais dos cidadãos.
Werner Schumann, Ricardo Erhardt e David Camargo, são advogados do escritório ADVPREV® - DAVID CAMARGO & ADVOGADOS ASSOCIADOS.
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